Vinha prometendo o paraíso express - mas paraíso no fim das contas-se deu em música após música às 7.500 pessoas que ontem compareceram em Atarfe para escutá-lo. Ainda que na realidade, a Alejandro Sanz (Madrid, 1968) não se escuta, e sim se coroa, grita, chora, dança e demais explosões de euforia segundo o título do tema que toque. Ao menos assim se viveu ontem a noite no Coliseo granadino, onde, sem importar a chuva nem o frio repentino, as pessoas, aplaudiram até as projeções enlatadas que sirviram de aperitivo ao grande encontro musical.
«Alejandro, Alejandro...» o chamavam o público impaciente a poucos minutos das dez da noite. Ele não se fez esperar. Com gotas de água digitais deslizando pelas macrotelas de fundo e outras imagens virtuais que simulavam uma fina chuva -como se com a real não houvesse sido suficiente-, embaixo de um som estrondoso, apareceu o cantor. Caminhou até a passarela situada diante dos músicos.
Guitarra branca e casaco preto. Então exibiu sua cara de menino travesso, a que segue conservando ainda que seu 'Viviendo deprisa' -cantada em quarto lugar- tenha já a bagatela de quase 20 anos.
Arrancou a velada Sanz dizendo «obrigado Granada, vamos». Os membros de Proteção Civil começaram a fazer seu trabalho pondo ordem e concerto entre algumas fãs enlouquecidas; mas o artista: ao seu. A interpretar 'Mi Peter Punk', eo primeiro tema do 'Paraíso Express' (2009), um disco recente que ali conhecia até o último membro d público, de diferentes idades e gêneros possíveis. Haviam pagado desde 40 a 114 euros por entrada, sem revenda, dependendo de se disfrutavam do evento em zona VIP ou não.
Dito isso, o show vem já muito bem rodado de Latinoamérica. os preços o merecem, porque a banda de nove músicos, dirigidos por Mike Ciro, é espetacular e a montagem impressiona, incluídas as telas de última tecnología em três dimensões. Além do mais, de verdade, viver uma catarse coletiva assim não tem preço.
Para decorar 'Mi Peter Punk' um espiral gigante velmelho deu voltas ao fundo do palco, que se encheu de estrelas fugazes e tons violetas em 'Lo que fui es lo que soy', um super tema de antes, quando o intérprete se bastava com um violão arrebatar corações femininos.
Cartazes gigantes
Sua voz, basicamente, é a mesma de sempre. Inconfundível, peculiar, mas a modulagem boa. Alejandro, dançar não dança muito, mas cantar e compôr o faz a conciência. Dentros de uma calça jeans, se baixou à passarela de novo para, talvez, ler melhor o que diziam alguns cartazes gigantes. Aí começou o êxtase da concorrência.
«Boa noite. Então chegamos a Granada e vimos as montanhas e fazia um pouco de vento, mas invocamos a os deuses dos ventos. E o vento, que é enrolado, parou um pouco... Esta noite será mágica, mas não mais mágica que Granada, que é a cidade mais mágica...», disse ele, residente em Miami desde há tempos. Começou com os versos de 'Desde cuando', confirmando inevitavelmente que é um profeta pela reação generalizada do público, entre o que havía alguma garota com o rímel escorrido de tanto chorar. Havían passado só uns quinze minutos de concerto.
'Puede parecer atrevimiento, pero es puro sentimiento' diz essa letra escrita pelo madrilenho, que segundos despois espetou mirando ao céu e com os braços para cima: «Agora começou a chover, vamos invocar aos deuses da chuva. Tio, se vira e faz com que pare de chover». Os fãs o siguiram pondo as mãos para o alto e foi impossível não se peguntar como se consegue ter tantíssimo poder de persuasão e um coração tão gigante para escrever dezenas de letras de amor, uma atrás da outra, e que todas cativem ao público. A estas alturas de sua vida, o tipo, simpático como ele apenas em cima do palco, vendeu a bagatela de 25 milhões de discos. Não é de estranhar.
«Feliz de estar aqui»
«Estou tão feliz de estar aqui que passei o que passei 'Nuestro amor será leyenda'», assim introduziu o artista esse tema depois de que saltase até a outra parte do palco com 'Viviendo deprisa', na que os técnicos, apressados, aproveitaram para tapar com plásticos alguns aparelhos do palco diante a inssistente chuva que conseguia escoar, pelo visto, por alguns buracos do teto ou pelas laterais.
Pese aos pequenos detalhes de última hora, Sanz, que tem um sotaque madrilenho puxando ao andaluz e rematado com o de Miami, é um artista que em cima do palco dá a sensação de trabalhar muito e respeitar aos que pagam para ouví-lo e vê-lo. E com suas distintas maneiras de falar, em um concerto como esse deixa claro que deu com a tecla de uma linguagem universal: a dos sentimentos amorosos do povo.
O que dizer quando tocou 'Corazón partío', violão espanhol em mãos, que arrematou com uma tacada junto a uma das dois coristas das que o acompanha. Até os que aguardavam nas portas sem entrar, mas pondo a orelha, devem ter ficado alucinados com o alvoroço que se deu quando desde o palco saiu de uma só vez o questionário mais famoso do cancioneiro espanhol de todos os tempos: '¿quién me va a entregar sus emociones?, ¿quién me va a pedir que nunca le abandone?, ¿quién me tapará esta noche si hace frío?, ¿quién me va a curar el corazón partío?, ¿quién llenará de primaveras este enero y bajará la luna para que juguemos?'.
Por certo que a lua, quando as nuvens por fim cederon, luziu plena, mas de um amarelo macilento, a medida que ia escurecendo. E assim a desfrutaram esses que ouviram Alejandro Sanz desde as portas, entre os que se contavam pais com filhos pequenos nos ombros debaixo do guarda-chuva e alguma grávida, que um desejo de escutar a este artista ao vivo deve ser irredutível.
Brindou a seus músicos 'Yo hice llorar hasta a Los Ángeles'; interpretou intenso e entregado 'Sin que se note'; e dedicou às mulheres valentes 'Lola Soledad', com unas projeções a base de neons e edifícios de uma metrópole contemporânea que acentuavam ainda mais a tristeza do personagem que Sanz retratava com sua garganta.
Entre a modernidade, seguiu intercalando temas de ontem e de hoje, como 'Quisiera ser', cujo início repitiu duas vezes brincando com o público.
Impossível ficar quieto, não aplaudir ou sair renegando de Alejandro Magno -que assim se fazia chamar no início de sua carreira-, um compositor beatificado pelo público, que sabe com segurança que os milagres que consegue este artista têm muito trabalho atrás, ainda que ele os camufle e adorne com forma de coração.